Reforma do IRC visa dar mais tempo à banca para abater aos lucros dezenas de milhares de milhões de euros de prejuízos

0 Posted by - August 25, 2013 - Blog

O sector financeiro concentrou só entre 2009 e 2011 mais de um quarto dos 60 mil milhões de euros de prejuízos fiscais declarados nesses anos às Finanças pelas empresas portuguesas. Só em 2011, último ano para os quais há estatísticas, a actividade bancária e de seguros concentrou 35% dos 27 mil milhões de euros de prejuízos. Com a lei ainda em vigor, esses prejuízos poderão ser abatidos aos lucros apenas dos cinco exercícios seguintes ao ano em que foram criados, e ainda limitados a certas condições. Mas com base na proposta de lei que se encontra no Parlamento esses limites foram atenuados.

O Governo propôs alargar esse prazo de 5 para 12 anos e isso permitirá a dedução de grande parte ou totalidade daqueles prejuízos fiscais à custa da cobrança futura de IRC dessas empresas. Ora, pelo peso do sector financeiro no total dos prejuízos fiscais – e da receita de IRC -, bem parece que, a ser aprovada, a medida constitui um subsídio a esse sector. Mas igualmente às grandes empresas. Em 2011, cerca de metade dos prejuízos fiscais, foram declarados por empresas com facturações acima de 25 milhões de euros.

Prejuízos fiscais estão a subir

Os prejuízos fiscais bem podem ser considerados como uma forma de evasão fiscal. Aliás, uma dupla forma: primeiro, porque no exercício em causa evita a tributação em IRC; e segundo porque permita a dedução da cobrança de IRC nos anos seguintes. E essa realidade está em crescendo e tem provocado uma progressiva erosão da Matéria Colectável do IRC nas duas últimas décadas.

Em 2011, os prejuízos fiscais atingirem já 81% dos lucros tributáveis, quando na década de 90 e no início da década passada rondava os 50 a 60%. Nos últimos cinco anos, o total dos prejuízos atingiu 76 mil milhões de euros.

Atente-se na dimensão desses prejuízos.
Gráfico 4

Ou a comissão de reforma do IRC desconhece esta realidade – o que pode parecer estranho dada a importância da sua missão – ou estará preocupada com o facto das empresas não poderem esbater no tempo este crescente volume de prejuízos declarados, já que cinco anos nunca seriam suficientes para o fazer.

Porquê? O Código do IRC estipula que, em cada exercício em que se faça reporte de prejuízos, essa dedução nunca poderá ultrapassar os 75% dos lucros desse exercício. Mas que o prejuízo remanescente (não deduzido ainda) poderá ficar para os exercícios seguintes. Ou seja, dada a dimensão dos prejuízos fiscais e a curta dimensão dos lucros previsíveis, é provável que fosse necessário um maior número de anos para a total dedução dos prejuízos fiscais, erodindo os lucros futuros. E com isso, evitando o IRC a pagar pelos lucros futuros.

Na prática, acaba por ser uma socialização dos prejuízos dessas empresas, pago por todos, como se do seu futuro dependesse o futuro de Portugal e da absorção do desemprego. Trata-se, na realidade, de um subsídio encapotado.

E a quem?

Os prejuízos fiscais têm se concentrado, ao longo dos anos, nos mesmos sectores de actividade: indústria transformadora, electricidade, construção, comércio, alojamento, transportes e actividades ligadas ao imobiliário, mas mais recentemente nas actividades financeiras. Em 2011, cerca de 35% dos prejuízos situou-se no sector financeiro. Mais 15% nas actividades de consultoria e 18% repartidos entre construção e comércio.

Agora, tome-se o percurso de alguns dos membros da comissão de reforma.

Quem estava na comissão?

António Lobo Xavier, presidente da comissão de Reforma, pertence aos corpos sociais do BPI, Mota-Engil e Sonae e foi deputado do CDS.

Miguel Frasquilho além de deputado do PSD e ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças do Governo Durão Barroso (2002/2003), é um quadro dirigente do grupo Espírito Santo.

José Almeida Fernandes é, desde 2001, advogado num dois maiores escritórios de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e, refere-se na página oficial do escritório, “presta serviços no âmbito do planeamento fiscal e consultoria em áreas especializadas – preços de transferência, tributação de intangíveis, titularização de créditos, fundos de investimento e produtos financeiros e derivados – a instituições financeiras e empresas multinacionais, bem como a algumas das maiores instituições financeiras e empresas nacionais”. Foi adjunto do actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, ele também um dos advogados do escritório Garrigues.

Miguel Cortez Pimentel, advogado desde 2004, foi nomeado desde Março de 2012 adjunto de Paulo Núncio, a ganhar 3914,36 euros (página do Governo), tendo passado ele também pelo escritório Garrigues, “com especial enfoque em temas de Direito Fiscal nacional, internacional e europeu”. É de 2011 uma publicação do escritório, da autoria de Fernando Castro Silva, Tiago Cassiano Neves e Miguel Cortez Pimentel, subordinada ao tema: “Alterações futuras do centro de negócios internacional da Madeira: está pronto?”. Nessa publicação alerta-se para o agravamento da tributação (“pontos de preocupação”) e sugere-se capacidade para encontrar formas alternativas de aligeiramento da tributação.

Pedro Pereira Gonçalves fez a sua carreira como quadro do grupo Espírito Santo, foi chefe de gabinete de Miguel Frasquilho enquanto governante, consultor económico da secretaria de Estado da Habitação no Governo Santana Lopes (2003/2004) e estava na AICEP, agência para a captação de investimento estrangeiro na área de grandes negócios e financiamento. Foi nomeado recentemente secretário de Estado da inovação, Empreendorismo e Competitividade.

Bem sei que até prova em contrário, todos os suspeitos são inocentes. Mas o julgamento começou. Faça-se a prova da necessidade desta medida.

A questão que se coloca é: por que razão pretende o Governo adoptar uma medida como esta?

Caso se pretenda atribuir um estímulo às empresas nesta difícil fase da economia portuguesa – o que é defensável – então importaria estimar os custos de uma proposta como esta para o Estado e para os contribuintes. E que contrapartida poderia ter.

A saber:

1) Qual o montante que se estima de prejuízos que poderão ser deduzidos nos próximos anos?

2) Consequentemente, qual a perda de receita de IRC que é expectável perder nos próximos anos, após a dedução desses prejuízos?

3) E consequentemente, qual o acréscimo de receita – ou corte de despesa – que o Governo estima que tenha de ser feito para manter as metas orçamentais estritas, como as que têm sido impostas com a aplicação do Memorando de Entendimento.

Este simples aspecto da lei – e já não estou a falar de todas as alterações que a proposta de lei prevê – terá um impacto significativo nas contas públicas. Mas este foi precisamente o impacto nas contas públicas que a comissão – e o Governo – não estimou. E esse lapso, num momento de emergência nacional como o actual, é no mínimo negligente.

Negligente porque a sociedade está a ser sangrada com um volume de perdas de emprego e consequente subida da taxa de desemprego e de emigração de elevadas proporções. Conceder um subsídio desta grandeza nesta altura terá de ser muito bem justificado à totalidade dos contribuintes.