No meio desta crise nacional, em que não se sabe como o país vai sair da camisa de onze varas em que se meteu desde a moeda única, o PSD propõe um referendo sobre… a adopção e co-adopção por casais homosexuais?
Segundo o Público, “só 12 deputados do PSD se mostraram contra a proposta e a maioria (75) expressou-se a favor do referendo e da disciplina de voto (…). A votação foi feita no final de uma acesa discussão. No início da reunião, o líder parlamentar, Luís Montenegro, colocou a questão à consideração dos deputados”. “Este projecto de resolução que propõe um referendo obrigou a travar um projecto do PS que regulava a co-adopção e que já estava na fase final do processo legislativo”. E que “ao decidir pela disciplina de voto, o PSD deixa em boa parte o ónus da votação do projecto de resolução para o CDS que ainda não tomou posição oficial, embora muitos deputados se inclinem para o voto contra o referendo”.
A ideia que fica desta iniciatica é que o recurso a um referendo se tornou um expediente de gestão de crise e que, em si mesma, a opção pelo referendo está longe de pretender ser uma consulta ao povo português, o desejo de um profundo debate político, com pés e cabeça, sobre uma matéria em que o PSD não consegue ter uma opinião vincada.
Ou seja, a democracia deveria merecer um pouco mais de respeito por parte de quem a exerce ao mais alto nível institucional. A democracia não pode ser apropriada por quem esteja “no poder”, para ser jogada a seu bem-prazer, enquanto os eleitores, os cidadãos, andam a “toque de caixa” das jogadas de curto prazo dos pequenos deputados.
Se o PSD se mostra disponível para jogar a cartada referendária, haveria outros assuntos bem mais prementes e muito mais importantes a ser debatidos entre a população e que, aliás, sempre têm sido evitadas pela classe política, com receio que a população possa – independentemente da razão – inverter as agendas traçadas sem consulta pública, nem previstas em programas eleitorais.
Por exemplo, entrámos deficientemente para o Euro, com um Escudo sobrevalorizado, que contribuiu para crescimentos económicos anémicos e um desemprego estrutural em crescendo, e nunca ninguém questionou a população se aceitava esse esforço, se aceitava os critérios tecnicamente indefensáveis das regras de Maastricht, como forma de consolidação orçamental de um país em desenvolvimento, numa Europa dos “grandes”.
O Parlamento ratificou a alteração de regras de decisão de voto na União Europeia, retirando poderes aos pequenos países como Portugal, e a população não foi tida nem achada.
Aceitámos um Memorando de Entendimento e nunca ninguém achou por bem questionar-se se essa receita era a forma mais apropriada de levar o barco a bom porto, se não seria de realizar uma reforma fiscal a sério – em que quem mais tenha seja devidamente tributado e que actualize o enferrujado IRS que já só tributa assalariados e pensionistas. Em vez disso, aceitou-se uma baixa do IRC, traçada grosso modo por advogados de grandes empresários ou de escritórios de advogados (um dos quais é secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), ex-quadros e futuros quadros do sector financeiro e que nos vai custar os olhos da cara, sem conseguir o objectivo do crescimento económico, porque esse depende sempre do crescimento da Europa.
Foi se aceitando inúmeras alterações ao Memorando inicial, foram adoptadas políticas económicas radicais, erradas, contraccionistas – porque essa é a filosofia de base: desvalorizar os salários e, já agora, os sindicatos – em proveito de uma minoria bem instalada, com claros desequilíbrios de esforços entre grupos sociais, e sem que ninguém achasse por bem discutir o assunto entre todos e colocar o assunto à votação antes de se aceitar os “enormes aumentos de impostos”, as CES, os progressivos cortes salariais nos funcionários públicos e a vigorosa fuga para a emigração que parece imparável.
Esses, sim, seriam assuntos sérios para um debate sério e não esta discussão lançada por pequenos responsáveis de bancada parlamentar, homens de punhais curtos e de segunda linha, capazes das maiores piruetas para defender a honra do partido e sem perceber que contribuem para o afundar do país, para o descrédito da palavra Política, enquanto se agitam e se passeiam pelos corredores atapetados dos Passos Perdidos, que abafam o ruído da intriga, em jogos pequenos de almas curtas e seguros de que terão dinheiro para pagar um almoço, num restaurante subsidiado.
Se é para debater entre todos, então que se faça Política a sério. Não estes rodriguinhos de incapazes.