À medida que os “buracos” vão sendo descobertos no BES, torna-se cada vez mais claro que os tais accionistas privados não serão chamados a pagar os seus desmandos, e que – mais uma vez – será o Estado e todos os contribuintes a salvar uma instituição financeira em quebra.
Começa já a falar-se de intervenção pública, de injecção dos fundos da troika para a banca (pagos a preço de ouro com juros da dívida pública) e até de nacionalização de parte substancial do seu capital, já que, sem ela, não haverá investidores privados que queiram vir salvar os seus “brothers in arms”. Amigos, amigos, negócios à parte.
Uma intervenção feita em nome do que pode acontecer nos “mercados”, que poderão contagiar o problema BES aos juros da dívida do país e que, por isso, antes que todos tenhamos de pagar mais juros pela mesma dívida, melhor pagarmos os “buracos” deixados. Mas nenhuma dessas duas soluções parece boa para todos os portugueses. Mal ou bem, parece que muitos terão de pagar os “erros” de poucos. Foi assim também com o BPN.
Essa é uma lógica doentia. Não deveria ser a única preocupação para com os depositantes? Mas para isso há mecanismos próprios e adequados. O Fundo de Garantia de Depósitos não é suficiente? Quais os montantes de que estamos a falar? Será mesmo preciso nacionalizar? Não haverá o risco de se estar a pagar os financiamentos a bancos e sociedades falidas do grupo? E onde está esse dinheiro?
Na verdade, pouco se fala de que os bens da família sejam tomados pelo Estado, nem que seja para não beneficiar o infractor e, de alguma forma, para contribuir para o pagar o “buraco” deixado. Nem se fala da apreensão das suas contas offshore, nem tão-pouco da acusação criminal pelos seus actos. Tudo parece, pois, apontar para que o Estado – mais uma vez – se conduza como um parceiro de classe, devidamente administrado para deixar os seus elementos empreendores sem muitas cangas, para que possam mais tarde refazer-se e – mais uma vez – renascer das cinzas, sem mácula nem feridas, com aquela fama de que são capazes de erguer impérios de um dia para o outro, embora com o dinheiros dos outros.
O Estado vai estar aí para defender esses interesses, mas sempre em nome do Bem Público. Seja em nome da defesa dos depositantes. Seja em nome da estabilidade do sistema financeiro e dos depositantes das outras instituições. Seja em nome até da estabilidade dos rendimentos dos mais pobres. Tudo para que tudo fique como está.
–> Como se explica que os serviços de supervisão do Banco de Portugal tenham sempre – durante anos e anos – revelado a extrema fragilidade do BES e do GES, dado a elevada exposição as empresas do grupo, e nada de relevante tenha sido feito pelas diversas administrações do banco central para acabar com essa exposição?
–> Como se explica que o Banco de Portugal tenha deixado Ricardo Salgado ficar no seu lugar quando se soube que tinha beneficiado de diversos mecanismos especiais de regularização de repatriamento de capitais saídos fraudulentamente do país? Aliás, resta saber se esses mecanismos não foram criados para o beneficiar… No último dos quais nem foi obrigado a repatriar esses capitais!
–> Como se explica que, já em 2014, o Banco de Portugal tenha perdido tanto tempo a arrumar a casa do GES, dando tempo para os seus chefes tivesse margem para ainda transferir mais capitais do BES para as empresas falidas do GES?
Todas estas omissões não abonam em favor das autoridades financeiras deste país. E revelam que a banca é e continuará a ser o elo forte, que moldará os lugares de quem ocupa as funções que supostamente deveriam ter em conta o interesse público. E a salvaguardará um status-quo de banditismo, apenas para parafrasear o administrador do BPI, António Lobo Xavier.
Tudo devidamente emoldurado por uma comunicação social que é incapaz de chamar os nomes necessários e que se comporta como um outro parceiro bem-educado deste jogo em que, do outro lado, estão milhões de portugueses que, independentemente dos seus bens e da ausência de dívida pessoal, serão chamados a pagar as festas e as casas milionárias e os hábitos extravagantes e os punhos de renda de quem não tem nível nem competência nem altrúismo para gerir um país tão pequenos como o nosso.