Quem é o português que se livrou do “enorme aumento de impostos”?

0 Posted by - March 19, 2014 - Blog

Há pelo menos uma pessoa em Portugal que está livre do “enorme aumento de impostos” anunciado por Vítor Gaspar a 3 de Outubro de 2012. Chama-se Vítor Gaspar.

Este benefício decorre da recente nomeação de Vítor Gaspar para chefiar o departamento de assuntos orçamentais do Fundo Monetário Internacional (FMI), instituição que compõe a troika.

É que o FMI, como organismo especializado das Nações Unidas, está isendo de impostos. A isenção vigora desde 1998 e estendeu-se ainda, a partir de Janeiro de 2007, quando Portugal ratificou a Convenção sobre os Privilégios e Imunidades das Organizações Especializadas das Nações Unidas. Trata-se de um tratado internacional de valor supra-legal, ou seja, que se sobrepõe à própria lei interna.

A convenção aplica-se aos organizamos especializados. É o caso – entre os 14 existentes na estrutura das Nações Unidas – da Organização Internacional Trabalho (OIT), da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), da OACI, do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), da Organização Mundial de Saúde (OMS), da (União Postal Internacional (OPU) e, lá está, do FMI – Fundo Monetário Internacional .

O artigo 9º da convenção estipula que essas organizações especializadas estão isentas de todos os impostos directos (sobre o rendimento), “de todos os direitos alfandegários” e proibições e restrições relacionados com os produtos desses organizações.  E o artigo 19º diz que os funcionários “gozarão, no que diz respeito aos salários e emolumentos que lhes são pagos pelas organizações especializadas, das mesmas isenções de impostos que são concedidas aos funcionários das Nações Unidas e nas mesmas condições”. E gozam ainda do “direito de importar, livres de impostos, o seu mobiliário e os seus bens pessoais por ocasião da sua primeira assunção de funções no país em questão”.

Talvez Vítor Gaspar nem vá beneficiar desta última isenção. Gaspar pode até ficar a viver em Portugal,  receber os seus rendimentos do FMI em Portugal e pagar por eles zero euros de imposto sobre o rendimento. Basta que, segundo o Código do IRS, permaneça em território nacional por um período igual ou superior a 183 dias seguidos ou interpolados. Claro está que se tiver outros rendimentos, esse serão tributados à taxa correspondente de IRS, mas a determinação da taxa de IRS a aplicar nunca terá em conta os rendimentos do FMI.

É no mínimo uma ironia deste mundo que a pessoa que defendeu o carácter benigno da austeridade e lhe viu um rosto humano e social; que lançou sobre os portugueses o “enorme aumento de impostos” no OE 2013 e anos seguintes – mas com carácter “provisório” até ao final do programa de ajustamento; aumento de impostos esse feito para compensar os efeitos recessivos dessa política que não tinham sido devidamente tomados em conta por essa mesma pessoa… ; a mesma pessoa que declarou demitir-se das suas funções de ministro das Finanças devido – também – precisamente a esses mesmos erros de previsão; e que ainda ontem interveio no Fórum sobre Políticas Públicas, dando os seus conselhos sobre a futura austeridade, dizia eu, é sintomatica e dramaticamente irónico que seja essa mesma pessoa quem acabe por nada contribuir para os fundos colectivos que possam financiar essas políticas públicas.

(este texto não tem direitos de autor e pode ser usado a bel-prazer do leitor)