José Manuel Durão Barroso surgiu, mais uma vez, em Portugal para deixar mais uma tirada política. Disse: “a dívida pública é sustentável desde que Portugal mantenha a dinâmica de reformas”.
A frase tem dois sentidos que se pressentem de imediato: 1) essas reformas terão de ter um forte impacto na redução da despesa pública; 2) se Portugal não mantiver essa “dinâmica de reformas”, os credores não estarão com Portugal para suavizar as condições de pagamento da dívida.
Por outras palavras, Barroso já não é aquele presidente da Comissão que diz que telefonou a Merkel, para defender a posição de Portugal, mas é mais o mensageiro do que Merkel lhe disse do outro lado da linha.
Mas o mais interessante é que a afirmação de Barroso corresponde a uma opção sobre a parte da equação que Portugal tem pela frente. E quando falo de equação refiro-me à equação dinâmica da dívida pública – usada pelos credores, pelo Governo português, pelo Presidente da República – para determinar as condições em que a dívida pública de qualquer país é sustentável. “Sustentável” quer dizer em economês que não se agrava, ou seja, que pode se manter igual ao que é (126,% do PIB) ou diminuir. Algo que está muito aquém do esforço que os credores querem que Portugal faça: cumprir o Tratado Orçamental que obriga a reduzir a dívida em 5% por ano!
O Observatório sobre Crises e Alternativas elaborou uma publicação sobre esse tema. E até disponibilizou uma folha de Excel que permitirá aos mais leigos leitores em economia experimentar vários cenários. Basta prever quanto vai crescer o PIB, qual vai ser a taxa de juro, e – finalmente – qual o volume de saldo primário do Estado (despesa públicas sem juros) necessário para tornar a dívida sustentável, a ponto de se reduzir.
E o que essa folha de Excel mostra é que, se Portugal mantiver o crescimento económico médio desde 2000 e as taxas de juro de antes da crise de 2007/08, o saldo primário médio terá de corresponder a um superávite de muitos milhares de milhões de euros. E se a meta for reduzir a dívida em 5% por ano, o esforço tem de ser bem mais pronunciado ainda. Para entender isso, basta dizer que até hoje nunca houve superávites, mas défices. Algo incomportável para manter as actuais estruturas do Estado, do tal Estado social nascido do pós-25 de Abril.
Essa é a violência que nos espera, caso nada seja decidido na Europa sobre a situação de Portugal.
E é essa violência que está subjacente na declaração em cândida voz de Durão Barroso.
Os credores já entenderam que a dívida não é pagável. O crescimento económico esperado deverá manter-se em níveis medíocres (abaixo dos 2% ao ano). Baixas taxas de juro apenas são de esperar se os especuladores acharem que farão mal em apostar no incumprimento de Portugal. E isso apenas se consegue com o apoio do BCE. Por isso, tudo está embrulhado. Na dúvida, resta o corte na despesa pública que até vem ao encontro do ideário liberal subjacente à estratégia definida pelos credores. Afaste-se o Estado e deixem-se os operadores privados cumprir essas missões sociais – mas não se diz que isso sairá bem mais caro ao Estado…
E essas são as condições de Barroso: ou cortam no Estado ou vendem mais uns activos aos investidores estrangeiros a baixo preço e a Europa está convosco para vos suavizar o caminho; ou não cortam e não vendem, e não esperem amizades, nem contemplações.
Condições como estas exigem uma atitude por parte dos políticos portugueses. Ou se claudica e teremos de nos manter sob a orientação estrangeira por muitos muitos anos, esperando sempre a melhor compreensão dos credores, das agências de rating; ou se estuda uma forma de resolver esta pesada equação. Este nó górdio. Todas as soluções têm custos que convém quantificar. Apenas uma deles permite a recuperação da soberania.
Há, pois, muito trabalho pela frente.