A importância de uns óculos

0 Posted by - August 2, 2014 - Blog

Nas suas “Reflexões de um cineasta”, Eisenstein fala da importância de escolher uma imagem que valha pela totalidade do que está em causa. “Extrair o sentido sintético do fenómenos histórico de entre a diversidade de factos históricos”. A imagem que se torna ideia e que se transforma em elemento da nova linguagem, na linguagem de fazer sentir e, ao sentir esse novo sentir, transformar-se em novo pensamento.

Um dos exemplos dados por si, foi o da escolha dos óculos do médico do Couraçado Potemkine. Chamado a inspecccionar a carne armazenada, e confrontado com os vermes que pulalavam felizes, o médico pega nos óculos com os dedos, toca a carne com os aros. E decide: a carne está própria para consumo dos marinheiros.

Nada de mais simbólico de todo o desprezo, de toda a arrogância de uma classe, de todo a sensação de omnipotência de quem está “em cima” e que tudo pode decidir “para baixo”. Que comam vermes.

Foi uma escolha de realizador.

Ricardo Salgado podia não ver bem ao pé e ter preguiça de mudar de óculos.

Mas não podia ter escolhido melhor imagem para si do que  aqueles óculos na ponta do nariz. A imagem de quem “Tudo” vê, seja ao longe ou mesmo diante de si.

Diz muito daquela classe que julga que tudo pode fazer porque está acima do Mundo e que se safará, qualquer que seja o crime, porque, afinal, é apenas mais um filho da classe reinante, dominante. E que, mais tarde ou mais cedo, as tropas do império virão salvá-lo. E voltar a dar-lhe o império desfalcado. E de novo se abrirão as noites das soirées políticas, nos jantares tertúlia, nos corredores iluminados de autênticos beija-mão de quem entrará no próximo governo do país.

Mas qualquer que seja o seu destino, há uma imagem que perdurará. A imagem de um homem seguro de tudo. Acima de tudo.

E tudo por causa de uns óculos…