“Quanto mais bates nos velhos, mais gosto de ti”, dizem os mercados

0 Posted by - January 9, 2014 - Blog

O Governo acaba de anunciar que vai introduzir, este ano, mexidas profundas na Segurança Social. É que há uma relação entre a agressão aos pensionistas e o optimismo com  que os “mercados” vêem Portugal. Quanto mais a consolidação orçamental se fizer sem ser à conta das empresas ou da riqueza, mais os mercados estarão contentes. Esta é a equação lógica da austeridade .

Na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros, a ministra das Finanças anunciou que a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) vai se aplicar aos pensionistas com pensões acima de mil euros, em vez dos 1.350 euros. E que, apesar de não haver alteração de taxas, a maior progressividade da medida passará pelo facto a taxa de 3,5% se aplicar aos pensionistas com pensões entre mil a 1800, o que fará com que os pensionistas com pensões mais elevadas paguem mais.

As alterações entrarão em vigor provavelmente em Fevereiro, dependendo da discussão parlamentar agendada para 22 de Janeiro próximo.

“E é só isso”, rematou a ministra das Finanças.

“Só isso” é algo que constitui um agravamento dos impostos sobre aquilo que o Governo considera ser uma “despesa”. Mas essa “despesa” constitui, de facto, um rendimento de muitas dezenas de milhares de pessoas (5% dos pensionistas garante o Governo), de pessoas que, por acaso, até fizeram descontos sobre os seus rendimentos para ter direito a uma pensão justa.

E o Governo continua a anunciar que as medidas até podem ser temporárias, caso o Governo consiga encontrar uma solução constitucional para o conjunto dos pensionistas…

O ministro da Solidariedade, também presente na conferência de imprensa, até adiantou que está formado um grupo técnico para estudar alterações legais – uma “medida duradoura para os sistemas de pensões”, público e privado, “que complementará reformas estruturais já levadas a cabo”- tudo sem agravar a sustentabilidade da Segurança Social, disse. E que não viole os princípios de solidariedade “inter e intra gerações”.

Mas que esse trabalho não substitui a comissão de Reforma da Segurança Social – prevista no programa de Reforma do Estado – que irá conceder a quem entre no mercado de trabalho a tal “liberdade de escolha” sobre o regime de Segurança Social que pretende.

O ministro da Presidência levantou o véu: “Se há um problema de sustentabilidade é porque as contribuições não são suficientes para pagar as reformas”. As pensões “vão ser calculadas de uma forma diferente para o futuro”, podendo ser criados “mecanismos mistos”, podendo os actuais pensionistas “beneficiar de esquemas que permitam valores aceitáveis dessas reformas”. A ideia, segundo Marques Guedes, será que esta alteração seja aprovada em 2014: “No final do ano, espero bem que esta… a sustentabilidade a médio e longo prazo esteja assegurada por mecanismos de reforma que entretanto sejam aprovados”.

Primeiro comentário: Se há alterações na fórmula de cálculo das pensões, parece que as mexidas são profundas.

Segundo comentário: se há um problema imediato de sustentabilidade na Segurança Social, ela decorre do facto de a economia ter entrado em recessão prolongada (devido à sobrevalorização do Escudo no euro e à austeridade imposta pela Troika), tudo agravado pelas alterações na lei laboral que levam cada vez mais a 1) menores rendimentos salariais; 2) maiores cargas horárias de trabalho – o que redunda, a prazo, em maiores dificuldades em constituir família e, a prazo, numa menos natalidade…

Desde o Livro Branco da Segurança Social (década de 90) e até das reformas de 2001 e de 2006 que está prevista a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social (que nunca foi levada a cabo), que permitisse a  sustentabilidade do sistema ameaçado pela demografia, pelas alterações laborais introduzidas desde 2000 e até pela queda da imigração. O que agora o Governo parece fazer é tábua rasa dessas decisões, espaldadas por opiniões técnicas – que vão corroborar a decisão política já tomada – e fazer os pensionistas pagar essa sustentabilidade. Como? Recebendo menos.

Terceiro comentário: Tudo aponta que o Governo queira 1) já em 2014, mexer nas fórmulas de cálculo das pensões, que resultarão em cortes pronunciados das pensões, em 2015; 2) a prazo, insistir na velha ideia do plafonamento para quem entrar no mercado, que – como todos os estudos apontam – vai agravar no curto prazo a sustentabilidade da Segurança Social.

Porquê? Porque, se quem entra no mercado de trabalho pode optar entre mais ou menos descontos sobre uma certa parte do rendimento (ainda a definir), então quem optar por menos descontos, contribuirá menos para a Segurança Social, sendo que a vantagem do sistema da Segurança Social – pagar menos pensões no futuro – apenas se fará daqui a 40 anos… Ou seja, o plafonamento reduz no curto prazo as receitas da Segurança Social, com vantagens apenas a longo prazo. E subsiste a dúvida como cobrir, no curto prazo, esse “buraco” financeiro entretanto aberto.

Não há muitas soluções: 1) emissão de dívida pública; 2) agravamento da TSU; 3) aumento de impostos do Estado sobre todos os contribuintes, a transferir para a Segurança Social…

Ora, é possível que o Governo esteja tentado a avançar já com este velho sonho da direita – que, a continuar a prazo, redundará na transferência de recursos públicos para gestão do sistema financeiro. Porquê agora? Porque o emprego está deprimido (não há muitas pessoas que estejam a entrar no mercado de trabalho, pelo contrário) e os salários iniciais para quem entre são muitos baixos (pelo que estarão abaixo do limite de plafonamento).

Ou seja, o Governo até poderá dizer que a criação do plafonamento não terá já efeitos na sustentabilidade da Segurança Social, pelo que se escusará a encontrar mecanismos compensatórios. Mas estaria enfiado o pé na “porta”, condicionando as contas da Segurança Social quando a economia começar a despontar.

Há pouco, quando questionado se essa reforma seria o plafonamento, o ministro da Solidariedade escusou-se a responder.

O Governo está a aproveitar o pretexto das dificuldades orçamentais para alterar estruturalmente a Segurança Social, sem consensos sociais. E impor à sociedade a sua visão radical, minoritária.

Aliás, todas as medidas aprovadas parecem apontar no mesmo sentido – o do denegrir as pensões públicas, fragilizar a relação entre o trabalhador e o sistema público, e tornar cada vez mais óbvio que os descontos feitos no passado pouco valem, dado que o Governo nem se importa de reduzir as pensões devidos por esses descontos.

É preciso estar muito atento ao que aí vem. Estará em causa a nossa pensão!