Há alguma diferença entre ser conservador na cama e liberal na economia? Eu não acho que haja muita, mas é a minha maneira de ver, talvez maniqueísta. O que é engraçado é que há muito boa gente e gente boa que acha que sim.
Numa carta desassombrada, o militante nº 10.757 do PSD, ex-dirigente da JSD, compagnon de route de Passos Coelho, desanca furiosamente nos actuais dirigentes da JSD a propósito da proposta inconstitucional de referendo sobre a adopção e a co-adopção (aqui) e acusa-os de serem uns conservadores emperdernidos de que ele se envergonha e onde não se reconhece, que nada se distinguem do CDS.
E a certa altura afirma: “O que vocês propõem é uma inversão de rumo: conservadores na vida familiar mas liberais na economia. Eu e alguns preferimos o contrário. Porque o PSD, em que nos revimos, sempre foi o partido mais liberal em matéria de costumes e em matérias de consciência”.
Admito, primeiro, que não sei se o autor é liberal na vida familiar e conservador na economia.Mas o que me chamou a atenção foi a dicotomia criada com essas duas situações. Admito, aliás, que esta dicotomia não faça muita confusão – como disse – a boa gente. No fundo, o raciocício dos “liberais na economia” é quase aquela mística da revolta dos colonos britânicos contra a Coroa inglesa, aquela libertação de um jugo, aquele viver sozinho em si próprio contra a visão totalitarista de um Estado cego e monstruoso, incompetente, gerido por burocratas, que lhe querem roubar o pão que ele produziu com os pés enterrados na terra, aquela visão atomística de que eu sobrevivo melhor sozinho do que pegado a outros, do que com outros que possam depender de mim. Não quero pagar impostos para a colectividade porque – argumento fácil – são mal geridos pelo Estado. Não quero uma Segurança Social em que os meus descontos de hoje são, hoje, a pensão de alguém porque quem sabe se haverá alguém no meu tempo para pagar a minha pensão. Não quero impecilhos que o Estado se intrometa entre o meu capital e aquele que eu quiser deixar aos meus filhos porque fui eu quem – legal ou ilegalmente – o conseguiu. Sou contra impostos sucessórios ou sobre a riqueza porque isso é bloquear e desincentivar o esforço dos corajosos e premiar a preguiça. Não quero cá barreiras à livre circulação de capitais porque eu sei o que é melhor para todos, desde que seja melhor para mim, e o que for melhor para mim, será por certo o bem de todos. Mesmo que isso passe por cima de quem está abaixo de mim, que seja um tormento conciliar vidas privadas com laborais, que se trabalhe até às 22h sem receber mais por trabalho nocturno ou suplementar.
O engraçado é que raramente se encontra um liberal entre os pensionstas de pensão minima ou a receber o complemento solidário para idosos. Ou entre os trabalhadores com o salário mínimo ou a falso recibo verde a trabalhar num call-center. Aliás, até nem encontro entre empresários que, por qualquer razão, intempérie ou abanão circunstancial, não defenda que o Estado deveria cobrir as suas perdas.
Fico, por isso, muito curioso para ver outros argumentos que possam associar o facto de ser liberal na vida sexual, na vida familiar e liberal na economia, porque me parece que há uma certa mística dos efeitos práticos de um liberal na economia. É que, como dizia um cantor conhecido, “pode alguém ser quem não é”, a tua liberdade tolhe-me bem o meu pé.